O que esperar das candidaturas femininas?
Artigo publicado originalmente na coluna Tendências e Debates, da Folha de S. Paulo, em 06/08/2020.
Por Gabriela Araujo e Maíra Recchia
Tendo conquistado o direito de votar apenas em 1932, por séculos, as mulheres brasileiras ficaram relegadas à vida doméstica, enquanto os homens já dominavam as esferas públicas de poder no espectro político nacional.
Desde a redemocratização, com a Constituição de 88, até a aprovação pela primeira vez da legislação de cotas de candidaturas (1995), os percentuais de mulheres eleitas no parlamento brasileiro oscilavam em torno de 5%, passando para menos de 10%, com a legislação que implementou de forma efetiva a reserva de candidaturas (2009), e para 15% com as decisões dos tribunais superiores que obrigaram os partidos políticos a distribuírem, na mesma proporção de candidaturas femininas, tempo de exposição na propaganda em rádio e TV, bem como recursos públicos para o financiamento de suas campanhas (2018). Um percentual ainda muito baixo, se considerarmos que a média atual das Américas é de 30% de mulheres no parlamento.
Diante desse cenário, o Brasil ostenta atualmente a posição 141 no ranking da União Interparlamentar, organização internacional que mede a participação feminina no parlamento em 193 países, em que pese as mulheres representarem 52,5% do eleitorado apto a votar e 42% das filiações partidárias.
E mais: o Brasil é um país em que ¼ das cidades não possuem uma única mulher na Câmara Municipal; onde de 35 partidos concorrendo nas últimas eleições municipais, 33 tiveram candidatas sem um único voto; onde existe um Estado em que nenhuma mulher foi eleita para a Assembleia Legislativa nas últimas eleições (MS); e onde as mulheres ainda são chamadas em sua maioria apenas para cumprir cota nas chapas partidárias. Isso quando não são apresentadas candidaturas laranja, apenas pro-forma, para burlar a lei de cotas.
A despeito dos reconhecidos esforços do Poder Judiciário, que vem proferindo importantes decisões para tentar garantir a participação feminina na política, as iniciativas afirmativas de gênero atuais ainda não foram capazes de incluir de fato as mulheres nos espaços públicos de poder, uma vez que a maioria do ambiente político brasileiro é hostil à ideia e reflete o que ocorre no próprio interior dos partidos: pouca representatividade nas mesas de tomada de decisão, ocorrências reiteradas de violência política de gênero e prática contumaz de candidaturas laranja.
Visando combater essa realidade, foi criado neste ano o Observatório de Candidaturas Femininas da OAB-SP, justamente com o intuito de acompanhar de maneira suprapartidária e institucional as Eleições, para a fiel aplicação da lei quanto às cotas afirmativas para as mulheres, com a devida distribuição de recursos financeiros e de exposição na propaganda eleitoral no rádio e TV.
Além disso, serão recebidas denúncias de candidaturas laranja e outras irregularidades, para encaminhamento às autoridades, e serão coletados dados que poderão embasar pesquisas e justificar medidas legislativas futuras com a ampliação das cotas femininas. Para tanto, um acordo de cooperação inédito entre a OAB-SP, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) e a Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo (PRE-SP), foi firmado nesta semana, com o objetivo de unir esforços para o acompanhamento das candidaturas femininas nas eleições.
Nossa experiência histórica demonstrou que a mera igualdade perante a lei não foi suficiente para reduzir de fato a desigualdade de gênero no âmbito político estruturalmente machista, e talvez seja dado o momento de se estudar seriamente a possibilidade de reservas de cadeiras para mulheres no parlamento, inclusive com o recorte de inserção racial, como medida justa de distribuição democrática de poder, já que 27% do eleitorado brasileiro também é formado por mulheres negras.
Nas eleições municipais de 2020, com o cenário da pandemia e da quarentena necessária, sabe-se que as mulheres foram especialmente afetadas por uma jornada tripla de trabalho, mas a garantia legal mínima de recursos financeiros para suas campanhas, conquistada desde 2018, e o apoio de observadores institucionais como a OAB-SP, talvez minimizem um pouco tais impactos.
Gabriela Shizue Soares de Araujo, advogada, professora de Direito Eleitoral e Coordenadora da Extensão na Escola Paulista de Direito. Membro da Comissão de Direito Eleitoral e co-coordenadora do Observatório de Candidaturas Femininas da OAB/SP. Co-fundadora do Grupo Prerrogativas.
Maíra Calidone Recchia Bayod, advogada, Secretária Geral da Comissão de Direito Eleitoral da OABSP, coordenadora do Observatório de Candidaturas Femininas da OABSP e integrante da Rede Feminista de Juristas (deFEMde) e da Associação Brasileira de Mulheres em carreiras Jurídicas (ABMCJ).