Aspectos legais que se deve conhecer antes de se lançar a uma pré-candidatura nas Eleições de 2022
Artigo publicado originalmente no Portal Migalhas, em 04 de fevereiro de 2022.
Por Gabriela Shizue Soares de Araujo[1]
As convenções partidárias destinadas a deliberar sobre coligações e escolher as chapas de candidaturas ocorrem apenas entre o período de 20 de julho e 05 de agosto de cada ano eleitoral. Após a realização de sua respectiva convenção é que cada partido político poderá proceder ao registro das suas candidatas e dos seus candidatos perante a Justiça Eleitoral e, somente a partir de então, é que a campanha eleitoral começa para valer.
No entanto, desde o começo do ano, e durante todos os meses que antecedem o período eleitoral oficial, é necessário que as cidadãs e os cidadãos que tenham interesse em disputar o pleito já se organizem e atentem para diversos requisitos prévios exigidos pela legislação, sob o risco de não conseguirem sequer obter o deferimento de seus registros de candidaturas.
Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral disponibilizou em seu site a Resolução nº 23.674, de 16 de dezembro de 2021, que contém todo o Calendário Eleitoral para as Eleições de 2022, de forma bem detalhada, importando dar destaque para alguns prazos a seguir descritos.
A partir do dia 03 de março, tem início a janela de migração partidária, dentro da qual, até 1º de abril de 2022, considera-se justa causa a mudança de partido pelas detentoras ou detentores de cargo de deputado federal, estadual e distrital para concorrer a eleição majoritária ou proporcional, sem que tal mudança incorra em infidelidade partidária ou causa para perda de seus mandatos.
De outra parte, todas as pessoas que pretendam disputar um cargo eletivo, mesmo aquelas que não sejam detentoras de mandato, precisam necessariamente estar filiadas a algum partido político pelo menos até 6 meses antes do dia da eleição, bem como devem ter domicílio eleitoral na circunscrição na qual desejam concorrer. Em outras palavras, até o dia 02 de abril de 2022, é necessário estar com filiação partidária e domicílio eleitoral em ordem.
A legislação eleitoral também prevê prazos específicos de desincompatibilização, isto é, de afastamento temporário ou definitivo, de cargos, funções ou empregos públicos, em geral aplicáveis para pré-candidaturas de servidores públicos efetivos ou comissionados; dirigentes ou representantes de autarquias, fundações, empresas, cooperativas, instituições de ensino que recebam verbas públicas; e dirigentes ou representantes de órgãos de classe como sindicatos e conselhos de classe.
Os prazos para desincompatibilização eleitoral variam de seis a três meses antes do dia das eleições e também podem ser consultados ou pela interpretação da Lei Complementar nº 64/90 ou no próprio site do Tribunal Superior Eleitoral. Em regra, um servidor público comum deve se afastar de suas funções três meses antes do dia das Eleições, mas, se exercer cargo de chefia, esse afastamento pode ter que se dar seis meses antes das eleições, por exemplo. Já um dirigente sindical precisa se afastar do seu cargo quatro meses antes. Por isso importa verificar caso a caso.
Outro aspecto importante a ser observado refere-se à documentação que será exigida para o registro da candidatura, merecendo destaque as certidões criminais para fins eleitorais fornecidas: a) pela Justiça Federal de 1º e 2º graus da circunscrição na qual a (o) candidata (o) tenha o seu domicílio eleitoral; b) pela Justiça Estadual de 1º e 2º graus da circunscrição na qual a (o) candidata (o) tenha o seu domicílio eleitoral; c) pelos tribunais competentes, quando as (os) candidatas (os) gozarem de foro por prerrogativa de função.
Quando as certidões criminais forem positivas, isto é, quando forem localizados processos criminais em face das candidatas ou candidatos, o registro de candidatura também deverá ser instruído com as respectivas certidões de objeto e pé (relatórios oficiais fornecidos pelo Poder Judiciário) atualizadas de cada um dos processos indicados, bem como das certidões de execuções criminais, quando for o caso. No entanto, se forem positivas em decorrência de homonímia, e não se referirem à candidata ou ao candidato, estes poderão instruir o processo com documentos que esclareçam a situação.
De qualquer forma, isso tudo pode ser muito trabalhoso e demorado, sendo importante que aquelas pessoas interessadas em se candidatar já verifiquem sua situação perante a justiça, ainda que posteriormente seja necessário renovar as certidões, mais perto do período do registro.
Ademais disso, no momento do registro da candidatura, que pode ocorrer a partir do dia 20 de julho, como já dito, é necessário estar quite com a Justiça Eleitoral, o que, entre outras coisas, implica não ter nenhuma multa eleitoral pendente, ou, pelo menos, ter dado início a um acordo de parcelamento e estar pagando em dia tal parcelamento. Por isso já vale consultar o site da Justiça Eleitoral e verificar se é possível emitir a certidão de quitação eleitoral, pois, caso contrário, ainda há tempo para regularizar eventuais pendências.
Um outro ponto que muitas vezes passa despercebido diz respeito à declaração de bens que se deve fazer no registro de candidatura: é ela que vai ter valor para se apurar a origem do autofinanciamento de campanha, bem como os bens próprios que poderão ser utilizados pelas candidatas e candidatos.
De acordo com a legislação eleitoral, a candidata ou candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer, e seus bens próprios, como veículos e imóveis, por exemplo, somente podem ser utilizados na campanha eleitoral quando demonstrado que já integravam seu patrimônio em período anterior ao pedido de registro da respectiva candidatura, devendo constar de sua declaração de bens apresentada no ato do registro.
A Resolução TSE nº 23.607, de 17 de dezembro de 2019, ainda estabelece que, para realizar gastos de campanha, a utilização de recursos próprios que tenham sido obtidos mediante empréstimo somente é admitida quando a contratação ocorrer em instituições financeiras ou equiparadas autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, devendo estar caucionada por bem integrante do patrimônio da candidata ou candidato no momento do registro de candidatura.
Dentro do tema finanças, e considerando que apenas pessoas físicas podem efetuar doações de recursos financeiros para as campanhas eleitorais, vale lembrar que já a partir do dia 15 de maio, de acordo com o artigo 22-A, §3º, da Lei nº 9.504/97, é facultada às pré-candidatas e aos pré-candidatos a arrecadação prévia de recursos por meio de instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo, previamente cadastradas, habilitadas e autorizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Essas entidades arrecadadoras, cuja lista de autorizadas a operar será disponibilizada oportunamente no site do Tribunal Superior Eleitoral, servem como verdadeiras intermediárias entre os doadores e as pré-candidatas ou pré-candidatos, figurando tais empresas como fiéis depositárias dos recursos arrecadados em campanha de financiamento coletivo pela internet, até que se dê o efetivo registro das candidaturas, com a consequente emissão de CNPJ eleitoral e abertura de conta bancária específica de campanha, por meio da qual será então realizada a movimentação dos recursos eleitorais pelas (os) candidatas (os).
Isso porque, caso o registro de determinada candidatura que tenha contratado o financiamento coletivo seja indeferido, as empresas arrecadadoras ficam responsáveis a devolver a cada doador as doações efetuadas durante a fase de “pré-campanha”.
Embora o financiamento coletivo - ou “crowdfunding” ou vaquinha eleitoral - possa ser contratado também após o registro das candidaturas e operar até o dia das Eleições, é nessa fase de pré-campanha que tal mecanismo ganha especial importância, posto que é a única forma pela qual as pré-candidatas e os pré-candidatos podem promover a arrecadação prévia de recursos financeiros, e ainda serve como um grande fio condutor para o engajamento nas redes e a divulgação de suas pré-candidaturas.
Afinal, não obstante a propaganda eleitoral oficial somente esteja autorizada a partir do dia 16 de agosto do ano eleitoral, ou seja, um dia após o prazo final para o protocolo do registro de candidaturas pelos partidos políticos, é possível que as pré-candidatas e os pré-candidatos já comecem antes dessa data a divulgar as suas pretensões políticas e a realizar sua promoção pessoal, especialmente porque o período oficial de campanha é muito curto, de apenas 45 dias até o primeiro turno.
Conforme preconiza o artigo 36-A da Lei nº 9.504/97, não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:
I - a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais das e dos pré-candidatos, o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver;
II - a participação de filiadas e filiados a partidos políticos ou de pré-candidatas (os) em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;
III - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;
IV - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias. Pode ocorrer inclusive em espaços abertos e vias públicas;
V - campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 da Lei nº 9.504/97: financiamento coletivo pela internet (vaquinha ou crowdfunding), por meio da contratação de empresas previamente cadastradas – e autorizadas - junto ao Tribunal Superior Eleitoral;
VI - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos. No caso dos senadores, deputados e vereadores em exercício, é possível inclusive produzir material de prestação de contas do mandato, por exemplo, divulgar nas redes os seus discursos, as suas conquistas etc.
Fica somente a ressalva para profissionais de comunicação social, que excepcionalmente não poderão promover sua pré-campanha enquanto no exercício da profissão.
Portanto, não havendo pedido explícito de voto, não se utilizando indevidamente de poder dentro da esfera pública ou de meios de comunicação social, e nem se incorrendo em abuso de poder político, econômico ou religioso, é possível, desde já, começar a estruturar a pré-campanha e chegar mais preparado para o período eleitoral.
[1] Gabriela Araujo é Advogada e professora de Direito Eleitoral na Escola Paulista de Direito. Mestra e Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. Coordenadora do Observatório Eleitoral Internacional da Asociación Americana de Juristas (AAJ) – Rama Brasil. Diretora do Sindicato das Advogadas e dos Advogados do Estado de São Paulo.