Um Sistema de Justiça Corrompido, a Vontade Popular Usurpada e a Democracia em Risco no Brasil
Por Gabriela Shizue Soares de Araujo
*O presente artigo foi originalmente publicado na obra coletiva “Relações Obscenas: As Revelações do The Intercept/BR”, sob coordenação de Wilson Ramos Filho, Maria Inês Nassif, Hugo Cavalcanti Melo Filho e Mirian Gonçalves.
1 – O Efeito Cascata na Corrupção do Sistema de Justiça
“Ao invés de se utilizar a força ou o poderio militar, procura-se a instalação de um Estado de Exceção pela atuação dirigente do próprio Poder Judiciário. A exemplo do que foi feito em 1989 com Fernando Collor, o “caçador de Marajás”, todos os esforços da mídia são direcionados à promoção da figura do juiz singular Sérgio Moro para impedir o retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República.
Aqui a expressão juiz singular não é aplicada no sentido jurídico do juiz que decide sozinho em primeira instância, mas pelo seu próprio adjetivo: trata-se de um caso raro dentro do quadro da magistratura brasileira. Afinal, fugindo de todos os princípios e deveres que permeiam a profissão, essa figura singular se imbuiu de uma parcialidade persecutória desde o início, ignorando legítimos direitos e provas das defesas e atuando de forma sobressalente ao Ministério Público não apenas no descumprimento de expressos preceitos legais e constitucionais, como na promíscua relação com a mídia”.
Os dois parágrafos acima foram extraídos de um artigo que escrevi para a obra coletiva “Comentários a Uma Sentença Anunciada: o processo Lula[1]”, em 2017, logo após o então juiz Sérgio Moro condenar o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no que ficou conhecido como o processo do “triplex do Guarujá”, em uma decisão completamente esdrúxula, que ignorou todos os argumentos e testemunhas da defesa, baseando-se exclusivamente em declarações suspeitas e levianas de corréus, sem que o Ministério Público tivesse conseguido apresentar quaisquer provas documentais que pudessem comprovar a propriedade ou até mesmo a utilização ou a posse do apartamento pelo ex-presidente ou qualquer membro de sua família.
Naquele momento, boa parte da comunidade jurídica brasileira e internacional já denunciava os excessos da operação Lava-Jato e a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro em sua condução, sem contar a sua evidente incompetência para julgar aquele processo.
Some-se a isso, e apenas a título de exemplo, o deliberado vazamento, em tempo real, de operações policiais-judiciais à imprensa, divulgações para a mídia de gravações telefônicas (até de presidente da República em exercício), entrevistas e opiniões do magistrado e dos procuradores da Lava Jato sobre processos sob sua tutela, palestras remuneradas e entrevistas, viagens internacionais, participações em prêmios promovidos por revistas etc, o que demonstrava a contaminação das decisões dos então servidores funcionais do sistema de justiça, pela parcialidade do espetáculo público a que se submetiam constantemente.
Apesar das evidentes arbitrariedades praticadas por aquele que era, ao mesmo tempo, aliado da acusação e julgador do processo, em um intervalo de apenas 06 (seis) meses e meio, contando aí o período do recesso do tribunal, a sentença condenatória acabou sendo confirmada, em um julgamento repleto de excepcionalidades, quando se verifica o histórico do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: seja pela brevidade com que ocorreu, em comparação com o julgamento de recursos em outros processos da Operação Lava Jato, cuja trâmite médio era de 18 meses; seja pela opção de se transmiti-lo ao vivo; seja pelas declarações anteriores e posteriores de magistrados envolvidos no julgamento, com a reprodução de toda a espetacularização do processo padrão dos procuradores e do então juiz da Lava-Jato, o que vai na contramão do dever de discrição e imparcialidade do Poder Judiciário.
A sentença condenatória foi proferida em 19 de julho de 2017 e, em 24 de janeiro de 2018, confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Em pleno ano eleitoral, quando Lula já apontava como líder em todas as pesquisas de intenção de voto para presidente da República, mesmo com todo o desgaste à sua imagem que a Lava Jato, liderada por Sérgio Moro, e com amplo apoio da mídia, lhe impingia. Ou seja, seria preciso tirá-lo à força do jogo eleitoral para derrotá-lo.
O que Moro sabia e o que os desembargadores do TRF4 também sabiam, é que, desde 2016, com o julgamento do HC nº 126.292 pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, abriu-se um perigoso e equivocado precedente para que diversos tribunais do país passassem a relativizar a garantia constitucional da presunção de inocência, adotando o entendimento de que a mera condenação à pena privativa de liberdade por um tribunal em segunda instância, ou seja, pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, seria suficiente para que se passasse a executar automaticamente o cumprimento da pena de prisão, ainda que diante da existência de recursos aguardando julgamento nos tribunais superiores (STJ e STF).
Data de 2016 também o ajuizamento de duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (as ADCs nºs 43 e 44), uma delas proposta pelo Conselho Federal da OAB e outra proposta pelo Partido Ecológico Nacional (PEN), pleiteando a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, já que em perfeita conformidade com o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, quando expressa que: “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”[2].
O julgamento das ADCs poderia resolver de vez essa matéria de ordem constitucional que, em gritante violação à presunção de inocência, vinha há anos inflando o sistema carcerário com milhares de pessoas cumprindo antecipadamente suas penas – muitas delas indevidamente.
No entanto, embora já estivessem prontas para serem julgadas e submetidas antecipadamente pelo relator à apreciação do Pleno, a então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Carmen Lucia, utilizando-se do imenso e antidemocrático poder de manobra regimental que os presidentes da nossa Corte Superior dispõem, optou por pautar primeiramente o julgamento do Habeas Corpus nº 152.752, impetrado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em detrimento das ADCs, apostando na fulanização do tema, cuja importância global se dissipou sob a bipolarização política em que se encontrava o país: com a mídia concentrada – ou seja, o mercado e as elites econômicas - toda apoiando o juiz de Curitiba alçado instantaneamente a super-herói, posto que útil na perseguição seletiva a políticos ligados especialmente ao Partido dos Trabalhadores – quase que em uma continuação do que foi o famigerado processo do “Mensalão” (Ação Penal 470).
Assim, em 04 de abril de 2018, com ampla pressão midiática e transmissão ao vivo do julgamento do Habeas Corpus nº 152.725 em rede nacional, assistiu-se a um decepcionante espetáculo de populismo judicial em algumas das intervenções de ministros do Supremo Tribunal Federal, que, ao denegarem o recurso proposto pelo ex-presidente[3], pouco trataram da legalidade e constitucionalidade do tema principal em pauta – a presunção de inocência - , mas não economizaram em apologias morais ou, pior, moralistas, e ataques deliberados à classe política.
Como se não se estivessem se desviando de suas funções aqueles que, detentores de um poder vitalício que não lhes foi outorgado pelo voto popular[4] e, justamente nomeados para exercer o papel de resistência contramajoritária na defesa inabalável do texto constitucional, passam contrariamente ao papel de usurpadores das funções dos demais poderes (esses sim legitimamente eleitos), enquanto suprimem, conforme sua conveniência e oportunidade, as liberdades e garantias individuais que pertencem a todos os cidadãos brasileiros, em meio ao espetáculo midiático[5] que se tornou sua atuação.
2 – As Eleições de 2018 e a Usurpação da Vontade Popular
O impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff causou uma grande fissura no desenvolvimento democrático do Brasil, quando colocou em descrédito o único recurso de participação política que o cidadão comum, até então, confiava como inderrogável e absoluto: o voto, expressão máxima da soberania da vontade popular.
Como se podia perceber pela leitura de absolutamente todas as pesquisas de intenções de voto realizadas no primeiro semestre de 2018, para as eleições presidenciais pós-impeachment, existia então um movimento de retomada do povo brasileiro daquele projeto de país que havia vencido nas urnas em 2014, ou seja, a vontade popular não reconheceu como legítimo o “golpe” parlamentar que derrubou Dilma e queria reconquistar, novamente nas urnas, o seu poder soberano de decidir os rumos do país.
Nesse contexto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo arbitrariamente encarcerado, em uma prisão excepcionalmente a jato, - apenas três dias após a denegação do HC pelo STF -, continuava a liderar largamente a corrida presidencial, com perspectiva de vencimento ainda no primeiro turno das eleições de 2018.
No entanto, a violação ao princípio da presunção de inocência, que atingiu o ex-presidente Lula na esfera penal, também poderia afetá-lo – e de fato o afetou - em âmbito eleitoral: a Lei da Ficha Limpa, uma lei infraconstitucional que considera inelegíveis os candidatos que tiverem condenações criminais proferidas por órgãos colegiados, mesmo que na pendência de recursos.
Sobre a inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e a necessidade de se aplicar o disposto na Convenção Americana de Direitos Humanos e na Constituição Federal, com relação à presunção de inocência, também na esfera eleitoral, escrevi, ao lado de diversos juristas, na obra coletiva “Vontade Popular e Democracia: Candidatura Lula?[6]”, organizada por mim, ao lado dos professores Eugenio Aragão, José Francisco Siqueira Neto e Wilson Ramos Filho.
Todavia, contrariando a melhor doutrina e os pactos internacionais de direitos civis e políticos dos quais o Brasil é signatário, as decisões mais recentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, e, pior, contrariando ainda uma expressa decisão do Comitê Internacional de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) que determinou que se garantisse o exercício pleno dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na campanha eleitoral à Presidência da República, ainda que preso, tanto o Tribunal Superior Eleitoral como o Supremo Tribunal Federal negaram o direito de Lula ser candidato, e, em consequência, o direito soberano da população brasileira escolher livremente o seu representante.
O Ministro Luiz Fux, que ocupou a presidência do Tribunal Superior Eleitoral até 14 de agosto de 2018, já havia antecipado à imprensa[7] e, portanto, extra autos, sua opinião pela inelegibilidade de Lula. Posteriormente, mesmo após o indeferimento do registro da candidatura de Lula, quando este já havia sido substituído por Fernando Haddad, o mesmo ministro impediu que o ex-presidente desse entrevistas à imprensa, revogando liminar concedida anteriormente pelo ministro Ricardo Lewandowsky, em mais uma manobra regimental que tem sido uma constante na imposição das vontades individuais entre ministros da nossa Corte superior, e em uma censura prévia absolutamente inconstitucional e temerária, porém evidenciadora de seu temor com relação aos efeitos que a voz do ex-presidente poderia causar no resultado eleitoral[8].
A decisão monocrática e arbitrária do ministro foi derrubada posteriormente, embora muito após o fim do pleito eleitoral, mas veja: não cabe ao julgador decidir tendo em vista as consequências que a sua decisão terão na opinião pública ou no cenário político, pelo contrário, cabe a ele decidir com base na lei e, sobretudo, na Constituição.
As revelações do site “Intercept” e dos demais veículos de imprensa que se uniram a ele, como Folha de São Paulo, Revista Veja, Band (Reinaldo Azevedo), entre outros, baseadas em conversas entre os procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro, travadas pelo aplicativo de mensagens Telegram, trazem à tona evidências que já estavam sendo alardeadas por boa parte da comunidade jurídica e da sociedade: o grande esquema de corrupção estava sendo engendrado não pelos empresários e políticos denunciados, mas pelos operadores da Lava Jato, pelos servidores públicos que, ao invés de servir aos interesses do povo, pelo contrário, manipularam a vontade popular e as eleições para servir aos seus próprios interesses.
Pior, como demonstrado alhures, as relações promíscuas entre o juiz parcial e uma das partes do processo – os procuradores da Lava Jato -, mais o elemento mídia concentrada e espetacularização da perseguição penal a políticos selecionados, acabou por envolver outros elementos do Poder Judiciário, dos próprios tribunais superiores, constrangidos pela opinião pública e pelo processo do espetáculo a validar as arbitrariedades cometidas por funcionários públicos mais do que suspeitos, para não se dizer, corruptos.
A farsa em que todos caíram já havia ficado evidente, aliás, muito antes da Vaza-Jato, quando o juiz responsável por todo o desgaste, perseguição e prisão de Lula, aceitou ser ministro da Justiça do candidato eleito e maior beneficiário de suas decisões.
3 – Binômio Mídia de Massa e Sistema de Justiça Corrompido: a democracia em risco
Um observador externo poderia dizer que as arbitrariedades cometidas pelos servidores públicos ambiciosos por holofotes, poder, dinheiro e fama, não se sustentariam sem o apoio da opinião pública. Ocorre que, em um país de pouca e recente experiência democrática como o Brasil, onde inexiste uma esfera pública de debate em que o cidadão possa exercer plenamente sua liberdade política e participar das tomadas de decisões, a informação transmitida pela mídia será absorvida geralmente sem um senso crítico mais aprofundado, quase como se fosse uma verdade absoluta.
E tendo em vista que, neste país, cinco grupos ou seus proprietários individuais concentram mais da metade dos veículos de comunicação[9], bem como figuram entre os mais ricos do país, o cidadão médio apenas terá acesso à informação que a mídia monopolizada tiver interesse em transmitir e da forma que lhe convier transmitir, já que também inexiste uma regulamentação que democratize o uso da mídia no Brasil e que lhe impute responsabilidades no que se refere à manipulação das informações.
Em consequência, a opinião pública, no país, equivale praticamente à opinião publicada, o que claramente contribui para a crise institucional brasileira, na medida em que o poder econômico representado por esse seleto grupo que detém o monopólio da mídia passa a se alinhar à pauta neoliberal internacional, para a qual a rigidez na defesa dos direitos fundamentais, tal qual prevista na Constituição de 1988, apresenta-se como um óbice.
Aproveitando-se do enfraquecimento dos poderes democraticamente eleitos que deveriam funcionar como estertores da vontade popular, e, portanto, aproveitando-se do enfraquecimento da própria soberania política popular, as correlações de forças econômicas alinhadas às políticas neoliberais passaram a investir suas apostas no binômio mídia de massa e Poder Judiciário, único dos poderes cujos agentes não são escolhidos pelo voto popular.
Some-se a este último, os demais componentes burocráticos do sistema de justiça penal, como polícias e Ministérios Públicos, os quais têm, em alguns de seus membros, as verdadeiras personificações dos abusos estatais que as garantias fundamentais e as Constituições liberais tanto buscaram impedir.
Dentro da lógica da separação de poderes, o Poder Judiciário, em tese, seria o mais fraco e burocrático de todos, com a simples função de aplicação e interpretação (fundamentada) das leis já postas - pelo Poder Legislativo, representante da soberania popular - aos casos concretos, e isso apenas quando provocado para a solução de conflitos entre os sujeitos de direitos. Ou, ainda, pela via do controle de constitucionalidade, representado em última instância pelo Supremo Tribunal Federal, deveria agir como guardião máximo da Constituição Federal e da rigidez de suas normas, principalmente contra a opinião pública majoritária de ocasião e sempre na defesa e proteção dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, como corolário de um Estado Democrático de Direito.
Porém, o que vimos assistindo há anos (e não de agora) é um ativismo judicial crescente e cada vez mais acelerado, que começou pela intervenção do Poder Judiciário sobre os atos do Executivo, ora na afirmação e ora na repressão de políticas públicas ou direitos sociais, a depender do caso e do voluntarismo de cada magistrado; e que atingiu seu ápice com a total usurpação das funções do Poder Legislativo, protagonizada principalmente pelo Supremo Tribunal Federal, que usualmente retalha, altera, cria novas legislações nas mais diversas matérias, em malabarismos hermenêuticos completamente incompatíveis com suas atribuições constitucionais.
Tais exercícios de criação legislativa contaram com certa condescendência da comunidade jurídica, quando utilizados inicialmente para expandir direitos fundamentais, mas, atualmente, as atuações dos principais representantes do Poder Judiciário têm-se guiado por um “populismo judicial” que, sob os holofotes das transmissões ao vivo da TV Justiça ou da cobertura glamourizada da emissora de TV[10] que detém o domínio da audiência no país, prestam-se à supressão e violação de direitos fundamentais, sacrificando, de quebra, o princípio da separação de poderes e a soberania popular.
4 – Considerações Finais
Não custa lembrar que essas ondas de ódio e espetáculos de linchamentos públicos, sempre com a escolha de um “inimigo” comum a ser combatido pelos “cidadãos de bem”, são técnicas utilizadas pelas correlações de forças político-econômicas dominantes para distrair as massas das reais mazelas sociais e evitar que o indivíduo se aproprie de seus próprios direitos, dos quais ele aceita abdicar em troca desse perverso prazer de punir o outro, o “inimigo”, a personificação de todas as suas frustrações.
Foi assim, com aplauso e audiência das massas, que aconteceram as mortais batalhas entre gladiadores nas arenas romanas; que se deu a crucificação de Jesus Cristo e dos apóstolos; que tramitaram os “processos” da Inquisição que culminaram com a queima das “bruxas” nas fogueiras; ou os “processos” que resultaram na guilhotina dos monarquistas e posteriormente dos revolucionários franceses; ou o avanço dos genocídios cometidos pelos regimes totalitaristas nazistas e fascistas na primeira metade do século XX.
Tal qual agora, em pleno século XXI, o povo brasileiro aplaude a flexibilização de seus direitos fundamentais, a violação de suas liberdades tão arduamente conquistadas, em troca do prazer perverso de ver alguns políticos e empresários escolhidos seletivamente pela mídia monopolizada para sucumbir sob o espetáculo que o sistema de justiça penal se presta a protagonizar.
Enquanto existir tamanho desequilíbrio institucional no país e o povo não se apropriar de seu poder soberano, legitimando seus representantes eleitos, e enquanto os direitos fundamentais não forem realmente incorporados por aqueles aos quais se destinam, o Brasil permanece desgovernado pelas correlações de forças econômicas que se utilizam da mídia e do sistema de justiça burocrático para usurpar o poder do povo: não é exagero, portanto, dizer, que podemos estar entrando em um novo tipo de ditadura – a ditadura da toga, ou, ainda, podemos estar abrindo espaço para algo muito pior, como temos visto pelo governo autoritário – para não dizer fascista - do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, oriundo das casernas da violenta ditadura militar que nos assolou por mais de vinte anos.
Seria o golpe dentro do golpe: uma virada que poderia ser fatal para a manutenção do que ainda restam de nossas instituições democráticas.
[1] ARAUJO, G. S. S.; PRONER, C. ; CITTADINO, G. ; RICOBOM, G. ; DORNELLES, J. R. ; PRADO, G Comentários a uma sentença anunciada ? O processo Lula. 1. ed. São Paulo: Praxis, 2017. v. 01. 542p .
[2] Isso significa que, exceto nas prisões temporárias ou preventivas, que devem ser fundamentadas pelo juiz, e geralmente se dão em casos em que o acusado poderá apresentar algum risco à segurança pública ou ao processo caso aguarde o julgamento de todos os recursos solto, nos demais casos, a prisão somente poderá ocorrer após esgotarem-se todos os recursos judiciais aos quais o acusado tem direito.
[3] Apesar do pleno do STF ter decidido por 6 votos contra 5 pela autorização da prisão de pessoas com condenação em segunda instância, mesmo com recursos pendentes de julgamento, ao denegar a ordem no HC 152.752, impetrado pelo ex-presidente Lula, vale reverenciar a clareza dos argumentos jurídicos do Decano da Corte, ministro Celso de Mello, ao defender a inviolabilidade do princípio da presunção de inocência.
[4] Considerando a forma de composição da nossa Corte, nomeada pelos Presidentes da República e com uma sabatina “pro forma” do Senado, vimo-nos diante de uma subversão dos valores democráticos e um governo sendo indiretamente conduzido por uma assembleia de onze ministros, ali colocada de forma vitalícia, sem a participação popular, mas ao mesmo tempo dando a última palavra nas principais decisões e resoluções da sociedade.
[5] Nesse sentido, vale notar que o Brasil foi o primeiro país a transmitir integralmente ao vivo as decisões da Suprema Corte (a começar pelo julgamento da Ação Penal 470) e é o único país que transmite o julgamento de ações de matéria penal, expondo e violando a dignidade dos acusados, em evidente afronta ao princípio da presunção de inocência e a diversos outros direitos fundamentais.
[6] ARAGAO, E. J. G. (Org.) ; ARAUJO, G. S. S. (Org.) ; SIQUEIRA NETO, J. F. (Org.) ; RAMOS FILHO, W. (Org.) . Vontade Popular e Democracia: Candidatura Lula?. 1. ed. Bauru: Canal 6, 2018. v. 1. 288p .
[7] “Fux já afirmou nos autos que a inelegibilidade de Lula é “chapada”. Também declarou em entrevista, sem citá-lo nominalmente, que político ficha-suja não pode forçar candidatura”. Fonte: https://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/pt-pode-pedir-suspeicao-de-fux-no-caso-lula/
[8]Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/fux-suspende-decisao-de-lewandowski-que-autorizava-entrevista-de-lula-a-folha.shtml
[9] Cinco famílias controlam metade dos cinquenta veículos de comunicação com maior audiência no Brasil, conforme dados que se pode extrair da pesquisa Monitoramento da Propriedade da Mídia (Media Ownership Monitor ou MOM), financiada pelo governo da Alemanha e realizada em conjunto pela ONG brasileira Intervozes e a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), baseada na França. Veja os dados da organização Repórter Sem Fronteiras sobre o Brasil aqui https://rsf.org/en/brazil e aqui http://brazil.mom-rsf.org/br/proprietarios/
[10] Segundoa já mencionada pesquisa de Monitoramento da Propriedade da Mídia (Media Ownership Monitor ou MOM), o Grupo Globo, da família Marinho, detém nove dos cinquenta maiores veículos, alcançando sozinho uma audiência maior do que as audiências somadas do segundo, terceiro, quarto e quinto maiores grupos brasileiros. É o que se verifica no sítio eletronico: http://brazil.mom-rsf.org/br/destaques/concentracao/