Democracia, Gênero e Raça

Democracia, Gênero e Raça

Artigo originalmente publicado na edição impressa do Jornal “O Estado de S. Paulo”, em 15 de novembro de 2020, no caderno Especial Eleições 2020, página D8. Versão online também disponível aqui.

Por mais de 20 anos após a publicação da lei que estabeleceu reserva de vagas para mulheres nas chapas partidárias, o parlamento brasileiro ainda permaneceu composto por 90% de homens, na sua maioria brancos, repercutindo também nas Casas Legislativas uma política institucional sexista vinda das estruturas partidárias, o que justificou inclusive a ausência de medidas legislativas mais concretas que buscassem de fato promover a inclusão das mulheres nas esferas de poder.

Foi necessária a intervenção do Poder Judiciário, que se intensificou a partir de 2018, para se verificar uma tímida melhoria nesse quadro: a Câmara dos Deputados passou a ter 15% de mulheres ocupando seus assentos, após medidas que obrigaram os partidos a destinarem um percentual mínimo de financiamento público de campanha e de exposição na propaganda de rádio e TV para as candidaturas de mulheres.

As Eleições Municipais de 2020, por sua vez, são as primeiras a se realizarem com a proibição de coligações proporcionais – o que implica em maior número de mulheres candidatas -, e com a obrigatoriedade de destinação de financiamento público de campanha e visibilidade em propaganda atendendo também a critérios de raça, esta última sendo mais uma conquista por vias judiciais.

No entanto, a possibilidade da invocação da autonomia partidária para distribuição dos recursos com uma lógica eleitoral que prioriza grandes cidades, capitais e candidaturas majoritárias tem gerado já uma série de denúncias de candidatas à vereança que não receberam nenhum recurso público de seus partidos.

Tais denúncias trazem à tona a reprodução de inúmeras formas de violência já sofridas pelas mulheres deste país, e que ocorre nos mais diversos espectros de suas trajetórias políticas, consubstanciada na violência política de gênero.

A mudança do cenário de sub-representação feminina na política requer a imposição de mecanismos estruturais que garantam a efetividade das cotas afirmativas e a expectativa é de que as alterações nos aspectos da visibilidade, financiamento de campanha, com a mobilização da sociedade e instituições quanto ao tema tenham algum impacto nestas eleições, já que não há democracia sem igualdade de gênero e raça.

AUTORAS:

Gabriela Araujo, advogada e professora titular na Escola Paulista de Direito, Mestre e Doutoranda em Direito Constitucional pela PUC-SP, co-Coordenadora do Observatório de Candidaturas Femininas da OAB/SP.

Maíra Recchia, advogada, Secretária Geral da Comissão de Direito Eleitoral da OABSP, co-Coordenadora do Observatório de Candidaturas Femininas da OABSP e Integrante da Rede Feminista de Juristas.

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