Gabriela Araujo

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A lei eleitoral permite expressamente a pré-campanha e o anúncio público de pré-candidaturas: entenda como fazer.

Artigo originalmente publicado no Estadão, no Blog do Fausto Macedo, em 30/03/2022. Veja original aqui.

Recentemente, a imprensa vem dando destaque para diversas polêmicas envolvendo atos de pré-campanha, muitas vezes com interpretações equivocadas e extremamente conservadoras sobre o que pode e o que não pode ser feito no período que antecede a campanha eleitoral oficial, que, pela lei, só começa a partir do dia 16 de agosto.

Ao que parece, as alterações introduzidas pela Minirreforma Eleitoral ocorrida em 2015 ainda não foram absorvidas por boa parte da classe política e da opinião pública, de modo que muitas pré-candidatas e pré-candidatos estão deixando de divulgar suas plataformas políticas e propagandear suas qualidades pessoais, por temores infundados de regras eleitorais que não se aplicam mais para o momento.

Com efeito, durante muito tempo, qualquer atividade de divulgação de pré-candidatura poderia vir a ser considerada como propaganda eleitoral antecipada extemporânea pela Justiça Eleitoral, o que mudou a partir da redação dada pela Lei nº 13.165/2015 ao artigo 36-A da Lei nº 9.504/1997, o qual passou a dispor que não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet.

Além disso, foram listados, a título exemplificativo, ao longo de sete incisos do dispositivo legal supramencionado, uma série de atos expressamente autorizados no período de pré-campanha. Como o inciso I, que permite a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, enquanto o inciso V permite a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais.

Ocorre que a Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015, apelidada à época de Lei da Minirreforma Eleitoral, reduziu o tempo de campanha de 90 para 45 dias e o período de propaganda no rádio e na TV de 45 para 35 dias. Destarte, para compensar o curto período que partidos políticos e candidatos teriam para fazer sua campanha oficial, e evitar que apenas figuras conhecidas e detentoras de mandato se beneficiassem, a mesma lei então estabeleceu uma certa flexibilização sobre o que seria considerado propaganda eleitoral antecipada, permitindo expressamente os atos de pré-campanha, para que também figuras menos conhecidas do eleitorado tivessem a oportunidade de se apresentarem com o tempo que lhes seria necessário.

Vale destacar que o Tribunal Superior Eleitoral já se debruçou sobre o tema, em 26 de junho de 2018, ao julgar dois processos em que se apontava a realização de propaganda eleitoral antecipada nos municípios de Várzea Paulista (SP) e de Itabaiana (SE), no pleito de 2016 (respectivamente, Agr. no AI 924 e Agr. no Respe 4346).

Foi o voto-vista proferido na ocasião pelo Ministro Luiz Fux que acabou por ser o condutor para uma interpretação mais liberal da Corte Eleitoral sobre o artigo 36-A da Lei nº 9.504/97, partindo da premissa de que o encurtamento do tempo oficial de campanha gerou a necessidade de se “dotar de garantias a liberdade antecipada do discurso, sob pena de se reduzir o sentido da celebração dos pleitos, transformando-os em meros instrumentos de transferência de poder a figuras políticas favorecidas pela inércia ou pela extremada visibilidade inerente”.

Nessa esteira, foram fixados três critérios norteadores para casos semelhantes que eventualmente viessem a ser apreciados pela Corte Eleitoral no futuro. Quais sejam, nas palavras do próprio Ministro Luiz Fux:

“(a) o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos;

(b) os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em “indiferentes eleitorais”, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada; e

(c) o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja irregularidade per se; todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc); e (ii) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio”.

Assim, todos os meios de propaganda permitidos durante o período oficial, isto é, não proscritos, também são permitidos no período de pré-campanha, desde que não se faça pedido explícito de votos, além do que, em caso de gastos dispendidos pelos próprios pré-candidatos, deverá ser respeitado o alcance das possibilidades financeiras de seus potenciais concorrentes políticos.

As formas proscritas mais conhecidas, isto é, que são proibidas durante a propaganda eleitoral oficial, são aquelas previstas nos §§ 6º, 7º e 8º do artigo 39 da Lei nº 9.504/97, como a distribuição de brindes ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor, a realização de showmícios, e a propaganda mediante outdoors.

É também do artigo 39 da Lei das Eleições que se extraem alguns atos de propaganda autorizados no período oficial, como aqueles dispostos nos §§ 4º e 9º, os quais permitem expressamente a realização de reuniões, comícios, distribuição de material gráfico, caminhada, carreata, passeata etc.

Ora, se o Tribunal Superior Eleitoral entende que é possível, na pré-campanha, fazer uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desde que não sejam utilizadas formas proscritas durante o período oficial, e considerando que reuniões, caminhadas, carreatas e comícios em recintos abertos ou fechados não são formas proscritas de propaganda, pelo contrário, são autorizadas no período oficial, o raciocínio lógico é que tais eventos são também permitidos na pré-campanha.

Com relação aos gastos dispendidos diretamente pelos partidos políticos, obviamente há uma margem maior de investimento para a organização das pré-candidaturas, posto que as agremiações dispõem de recursos ordinários do Fundo Partidário e de contribuições de seus filiados que podem ser utilizados em atividades de pré-campanha autorizadas por lei, com as devidas prestações de contas à Justiça Eleitoral.

O próprio artigo 36-A da Lei das Eleições prevê a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos (inciso II); e a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias (inciso VI).

Por fim, com relação à recente polêmica levantada em cima de manifestações políticas de artistas durante o festival “Lollapalooza”, ocorrido entre os dias 25 e 27 de março, em São Paulo, importa mencionar que, em 07 de outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5970, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, consignou seu entendimento de que é assegurado “a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer candidato, garantia que, por óbvio, contempla os artistas que escolherem expressar, por meio de seu trabalho, um posicionamento político antes, durante ou depois do período eleitoral”.

Em seu voto-condutor o Ministro Dias Toffoli foi contundente ao afirmar que “da norma não se extrai impedimento para que um artista manifeste seu posicionamento político, incluindo-se o apoio explícito ou repúdio declarado a determinado candidato em seus shows ou em suas apresentações”.

A proibição de “showmícios” é mais direcionada a eventos de campanha eleitorais convocados e organizados pelos próprios candidatos e partidos políticos e destinados à obtenção de votos, o que poderia ser equiparado a uma distribuição de brinde ou vantagem ao eleitor. Ou seja, o que a lei eleitoral não permite é que um comício eleitoral e aberto ao público em geral seja realizado com a apresentação gratuita de atrações musicais.

Por outro lado, se o eleitor “pagar” para assistir a um show artístico realizado dentro de um evento de arrecadação de fundos promovido pelo partido ou candidato, a lógica já é outra, como se extrai de mais um trecho do voto do Ministro Dias Toffoli: “(...) a realização de eventos eleitorais de cunho artístico com finalidade arrecadatória tem respaldo constitucional, por se tratar de uma modalidade de doação que proporciona ao eleitor, como pessoa física, participar do financiamento da democracia representativa (...)”.

Em suma, e para concluir, importa reiterar que tanto a manifestação espontânea dos eleitores, sejam eles artistas ou não, como os atos de pré-campanha ou anúncios de pré-candidaturas, promovidos pelos próprios partidos políticos e pré-candidatos, são expressamente autorizados e necessários, sendo proibido apenas: (i) o pedido explícito de votos, e (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, distribuição de brindes etc).

Como demonstrado, a Corte Superior Eleitoral reconheceu que a pré-campanha invariavelmente exige um certo dispêndio de recursos financeiros, que podem tanto ser arcados diretamente pelos partidos políticos, como também pelas pré-candidaturas, com seus recursos próprios. Neste último caso, os gastos pessoais dispendidos precisam ser compatíveis com as possibilidades de uma pré-candidatura média, de forma a se garantir a paridade de armas entre os potenciais concorrentes.

E ainda: desde o dia 15 de maio do ano eleitoral, é facultada aos pré-candidatos a campanha de arrecadação prévia de recursos por meio de instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo, previamente cadastradas na Justiça Eleitoral. Também conhecida como “crowdfunding”, trata-se de mais uma modalidade muito potente de pré-campanha, que além de angariar recursos para as pré-candidaturas utilizarem futuramente em suas campanhas, ainda auxilia com a promoção pessoal e divulgação de suas propostas políticas.

Portanto, quem pretende se candidatar para um cargo eletivo em 2022 e ainda não colocou a pré-campanha na rua, está perdendo um tempo precioso que não poderá ser recuperado em apenas 45 dias de propaganda oficial. A hora de começar é agora, respeitados, é claro, os – poucos - limites da lei.

 

Gabriela Shizue Soares de Araujo, advogada e professora de Direito Eleitoral na Escola Paulista de Direito. Mestra e Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. Coordenadora do Grupo Prerrogativas e Diretora do Sindicato das Advogadas e dos Advogados do Estado de São Paulo.