Na Mídia: Gabriela Araujo é uma das especialistas consultadas pelo Estadão sobre impeachment de Bolsonaro
Gabriela Araujo foi uma das especialistas consultadas pelo Estadão, em matéria publicada em 26 de janeiro de 2021, sobre os crimes de responsabilidade cometidos pelo atual presidente da República que poderiam ensejar eventualmente ao seu impeachment.
Na ocasião, Gabriela fez o alerta de que se trata de um processo de juízo político e que depende especialmente de uma maioria nas duas casas legislativas, Câmara dos Deputados e Senado Federal, para que isso venha a acontecer, apesar dos diversos atos já cometidos pelo atual presidente que poderiam ser enquadrados juridicamente como crimes de responsabilidade.
A matéria completa, que contou com a opinião de outros especialistas, pode ser acessada aqui .
A própria Constituição Federal estabelece, em seu artigo 85, quais são os crimes de responsabilidade do Presidente da República que podem suscitar a instauração de um processo de impeachment, como se verifica a seguir:
“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.”
É inevitável constatar a adoção, no texto constitucional, de denominações muito abrangentes para especificar as condutas que poderiam acarretar um processo de impeachment, o que também possibilita maiores distorções e abusos na sua interpretação.
Eis porque se entende que o impeachment é um processo muito mais político do que jurídico, pois se a maioria do Parlamento se convencer pela destituição de um presidente da República, qualquer irregularidade na lei orçamentária, por exemplo, mesmo que tenha sido praxe em outros governos, pode dar vazão a interpretações super extensivas do conceito do que viria a ser “crime de responsabilidade”.
Aliás, é importante ressaltar que o que se denomina de “crime de responsabilidade” em nosso texto constitucional não deve ser confundido com a conduta típica penal de um crime comum propriamente dito, este sim regulado pelo processo penal e que possui trâmite próprio no Supremo Tribunal Federal, quando cometido pelo presidente da República.
Enquanto é comum na América Hispânica a utilização da denominação “juízo político”, no Brasil a Constituição de 1988 adotou, em meu entendimento de forma equivocada, a nomenclatura “crimes de responsabilidade”, sendo que no campo acadêmico se fala em impeachment.
No artigo 86 da Constituição Federal, fica em evidência que o impeachment é um processo de juízo político, posto que se passa exclusivamente nas duas casas legislativas, enquanto que as infrações penais comuns são julgadas pelo Supremo Tribunal Federal:
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;
II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.
§ 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
§ 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.
§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.
§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.
Como na Constituição não há menção de quem está legitimado a ofertar a denúncia contra o Presidente da República por crime de responsabilidade (juízo político), coube à lei que regulou o procedimento, Lei nº 1.079/50, definir que qualquer cidadã ou cidadão pode denunciar o Presidente da República ou ministro de Estado por crime de responsabilidade perante a Câmara dos Deputados.
O pedido é apresentado ao Presidente da Câmara dos Deputados, que tem competência para decidir sobre o seu recebimento ou não. Uma vez recebida a solicitação de juízo político, iniciam-se os trâmites processuais para que ocorra a autorização de instauração do processo de juízo político contra o Presidente da República.
Importante observar que, nessa primeira fase, compete à Câmara, por 2/3 de seus membros, autorizar ou não a instauração do processo de juízo político, cabendo ao Senado Federal, posteriormente, processar e julgar o caso. Há então uma fase de formação da acusação, a qual ocorre na Câmara dos Deputados, e de processo e julgamento, que tramitam no Senado.
É pertinente ressaltar que, caso o Senado Federal decida efetivamente instaurar o processo, de imediato o Presidente da República fica suspenso de suas funções, posto que, se a decisão final do processo não ocorrer em até 180 dias, a autoridade afastada provisoriamente retorna ao cargo enquanto o processo continua tramitando normalmente. Para que se efetive a destituição do cargo presidencial, é preciso voto favorável de 2/3 dos membros do Senado.
Nesse sentido, o Texto Constitucional é claro ao afirmar que a perda do cargo em um processo de crime de responsabilidade gera como efeito secundário a inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. Seria, assim, uma pena acessória. Eis porque, no caso do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, optou-se apenas pela destituição do mandato, não lhe sendo aplicada a pena acessória de inabilitação para o exercício de função pública, o que lhe possibilitou se candidatar ao senado em 2018, pelo Estado de Minas Gerais.
Ora, como dito por Gabriela Araujo ao Estadão, as condutas do presidente Jair Bolsonaro desde o início da pandemia da Covid-19, com a promoção de aglomerações, recusa em utilizar a máscara, incentivo ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada e negacionismo com relação à ciência já são motivos suficientes para embasar um processo de impeachment, posto que contrárias aos direitos fundamentais mais caros protegidos pela Constituição Federal, especialmente o direito à vida.
No mais, verificamos no ano passado o incentivo do presidente Jair Bolsonaro a manifestações de cunho antidemocrático contra os poderes instituídos, como o Supremo Tribunal Federal e o próprio Congresso Nacional, o que está previsto expressamente no inciso II do art. 85 da Constituição como crime de responsabilidade, passível de impeachment. Bolsonaro não agiu de forma muito diferente de Trump, com a diferença de que nos EUA as manifestações antidemocráticas foram às vias de fato.
Resta saber se haverá conjuntura política para que isso aconteça. Sobre o tema, o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, escreveu um interessante artigo, publicado no Poder 360, que pode ser acessado aqui.